Destaque de Tiago Santos

Muitos são os motivos para nos apaixonarmos pelo jazz: a destreza, o desafio, a harmonia, o lirismo, a surpresa, a liberdade, todas são qualidades inerentes à arte maior da musica improvisada.

A entrega à construção do momento, através de uma linguagem universal onde indivíduo e colectivo dialogam, se valorizam e se transformam na superação de si mesmos e da musica previamente definida, é por si só um revolução que transformou a musica à sua volta, mas também as mentalidades.

O free jazz, no seu radicalismo de afirmação de liberdade foi por isso, a par do funk, a banda sonora e materialização formal do discurso politico de afirmação da consciencia negra e do poder negro perante o racismo e a segregação nos EUA nos anos 60 e 70, e William Parker é uma das suas referencias maiores da actualidade. Nascido no Bronx em 1952, estreou-se com Cecil Taylor depois ter estudado com Jimmy Garrison do quarteto de John Coltrane ou com Richard Davis, e tornou-se uma lenda ao lado de outro gigante do free jazz, David Sware. Nos últimos anos tem criado com o baterista e percussionista Hamid Drake uma das mais definitivas duplas rítmicas do melhor do jazz mais actual.

Por isso mesmo, a aparição destes 2 nomes maiores no mais recente disco do trompetista Luís Vicente é um sinal de respeito e maturidade do músico português — e garantia de grande música do lado mais livre do Planeta jazz.

O resultado de um encontro ao vivo que se apresentou nas Aldeias de Xisto, a que se juntou ainda o saxofonista norte americano John Dikeman, é agora editado com o selo da portuguesa JACC Records com o titulo “Goes Without Saying, But It’s Got To Be Said”, um disco que confirma Luís Vicente como um dos mais inspirados e aventureiros músicos do jazz e da musica improvisada em Portugal.

E se essa é uma verdade que tem de ser dita, deve acima de tudo ser ouvida, ainda que exija a nossa disponibilidade para a descobrir até se deixar respirar. A estrear no Heróis no Ar, hoje o excelente novo disco em quarteto do trompetista Luís Vicente.